Um canteiro de obras no Distrito Federal virou espaço de debates sobre a violência contra a mulher. Em uma sala lotada de operários, especialistas trabalham para conscientizar os homens em relação a comportamentos machistas que contribuem para a cultura do abuso e do feminicídio.
No dia 30/01, com todos os bancos ocupados na sala, alguns homens se encostaram nas paredes e assistiram até mesmo do lado de fora, pela janela. Quem se apresentava era a especialista em segurança pública Beatriz Figueiredo.
"Isso daqui é muito importante porque eles precisam ouvir. É a população masculina que está matando as mulheres."
Beatriz define o encontro como um "mega desafio". Para ela, levar o debate para o público masculino é "sair de uma zona de conforto".
Beatriz conta que costuma falar sobre violência contra a mulher em congressos e eventos acadêmicos. "Em palestras abertas, a maioria do público é feminino".
"Fiu fiu é assédio", disparou Beatriz na sala de operários, que levantou burburinho no mesmo momento.
Para ela, o incômodo no público é estratégico. "Eu não posso tratar esse assunto de forma polida. Tenho que levantar a discussão", afirmou ao G1.
A especialista diz que o principal é explicar os conceitos. "Uma das principais questões da gente tratar é a diferença do machismo e do feminismo. O machismo é um comportamento, enquanto que o feminismo é um movimento. Então, você mudar estruturas a nível comportamental é muito difícil".
Saúde mental
O projeto que envolve os funcionários da Brasal Incorporadora de Brasília, além dos temas de violência contra a mulher, busca tratar de assuntos como responsabilidade afetiva e saúde mental.
A psicóloga Adriana Souza faz palestras com os operários da construção civil desde meados de 2019. Ela conta que no início, o público ficava quieto. "Agora, muitos já me procuram pra compartilhar as dificuldades", revela.
A especialista explica que a base da relação das pessoas com as emoções e os comportamentos machistas estão dentro de casa. "A violência contra a mulher já vem de um adoecimento emocional", aponta.
"Nós somos formados por experiências, referências e individualidade. Uma pessoa que aprende a lidar com raiva de forma agressiva, ela provavelmente também foi exposta a algum tipo de agressão, algum tipo de violência", afirma Adriana.
"Em todas as palestras eu tento esse processo de desconstrução do que é ser forte, do que é ser socialmente aceito como homem", diz Adriana.
Reações masculinas
Evandro de Sousa Santos, um dos que ouviram a palestra, afirmou ao G1 que não costuma falar sobre feminicídio com outros homens.
"É meio complicado, acho mais fácil falar sobre isso com mulher."
Para ele, ouvir sobre o tema ajuda a compreender melhor o assunto. "Mulheres conseguem explicar o que é a violência e por que está acontecendo", disse.
Outro operário, Antônio Renato de Sousa Alves, defende a importância da iniciativa. "Eu acho muito importante, porque no meio de nós há muitas pessoas ruins e é importante que algo toque no interior deles com essa informação", afirmou.
Para Antônio, a mudança começa dentro de casa. "É muito triste toda essa violência. Muitas das vezes o pai não educa o filho, cria igual bicho bruto, não tem diálogo. Então eles crescem soltos no mundo".
A psicóloga Adriana Souza é coworker Arkamatra. Saiba mais sobre ela no aqui
(Texto: Reprodução G1)